nDm 21 | 16.mar.2023
A 21.ª edição da newDATAmagazine® foi publicada a 16 de março de 2023.
MENSAGEM DA DIRETORA
Equipas de alto desempenho, mas “doentes”...
Alto desempenho remete-nos para o mundo competitivo do desporto. Embora concorde que são muitos os ensinamentos que poderemos retirar do desporto em termos de trabalho de equipa, liderança e resiliência também é verdade que as realidades são bastantes distintas.
A maioria dos colaboradores até pode sonhar (e ansiar) por uma carreira curta, mas poucos serão aqueles que o conseguem fazer. O “comum dos mortais” terá que trabalhar até à reforma e, para que isso seja possível, há que tratar do corpo e da mente. Para um colaborador, a definição ideal de “alta performance” corresponde a alcançar objetivos desafiantes estando focado em atividades e projetos que lhe transmitem uma sensação de energia e felicidade. Ou seja, será algo que se atinge com esforço “saudável” e prazeroso.
Para as empresas, a alta performance baseia-se em métricas que diretamente (ou indiretamente) mostrem maior valor para o acionista. E essa exigência e pressão, quando aplicadas de forma continuada e exagerada, podem-se traduzir muitas vezes em exaustão, trabalho excessivo, burn-out, bullying, divórcios, crianças a crescer “sem pais”… ou seja, o alto desempenho até pode estar presente, mas essas equipas estão em esforço e “doentes”!
Sim, é verdade! Podemos ter equipas com excelentes resultados de performance, mas que não estão verdadeiramente bem. Quando a situação se prolonga no tempo, os sintomas da “doença” vão começar a surgir. Nalguns casos, os sintomas não são tão visíveis, já que os membros começam a sair e são substituídos por elementos saudáveis (até que comecem, novamente, a sucumbir).
Infelizmente, são ainda muitas as empresas que continuam com um focus excessivo nas métricas e a lutar por equipas de alta performance, não se preocupando com o seu bem-estar. Usam jargões bonitos para demonstrar que o mais importante são as pessoas, mas facilmente podemos constatar ações inconsistentes, como despedir em vez de reconverter, eliminar funções para reduzir custos com pessoas seniores, aumentando a lista dos que estão no desemprego com mais de 40/45 anos, equipas cada vez mais reduzidas, embora o volume de negócios aumente,…
Sou uma fervorosa defensora de uma gestão mais ágil e da redução desperdícios – negócio é negócio! As empresas existem para terem lucro e devem ter esse objetivo. Mas gerir bem um negócio não significa ser avarento e descurar a responsabilidade social que todos nós (empresas e cidadãos) temos.
Diz-se que a humanização dos Recursos Humanos é um dos principais desafios da atualidade. Como pode ser isso possível se as empresas são feitas de pessoas, desde sempre, e pessoas são seres humanos? Um contrassenso. Será uma forma bonita de assumir que as empresas têm equipas doentes porque estas têm por focus apenas o lucro?
O saudável (a nível financeiro e a nível da responsabilidade social) é desejar que as equipas, mediante as competências adequadas e com um desafio na medida certa, consigam estar em flow, ou seja, focadas no momento e com uma sensação de bem-estar. O estado de flow potencia uma melhor produtividade e um aumento da qualidade do serviço (ou seja, alto desempenho) mas ao mesmo tempo produz um maior engagement dos colaboradores devido à sensação de bem-estar. Quando uma empresa tem equipas com muitos momentos de flow, consegue ter mais sucesso na atração e retenção de colaboradores, assim como na redução dos níveis de absentismo.
Que fique claro que ninguém está em flow sempre… mas aumentar esses momentos, a nível profissional e pessoal, contribui para estarmos mais perto do nível de felicidade que ansiamos, para além de que tudo o que fazemos sai melhor e com menos esforço.
Parece difícil, ou até impossível, conseguir gerir o binómio “aumento de resultados” versus “bem-estar dos colaboradores”, mas definitivamente é bem mais fácil do que parece. Para isso, necessitamos de líderes que tenham no seu perfil de comportamento a preocupação genuína de ter as pessoas a bordo – líderes com coração. Se são focados apenas em resultados e processos, devem rodear- se de pessoas com o perfil orientado para pessoas, para serem os seus olhos e ouvidos na organização.
Durante os meus quase 30 anos no mundo corporativo, consegui sempre que as minhas equipas tivessem resultados acima da média e alcançassem metas que pareciam impossíveis no início… mas “levando” sempre as pessoas comigo. As métricas estavam lá, mas não foram (e não são) o mais importante. Por isso, criei equipas com uma cultura invejável – todos por um e um por todos na prossecução dos objetivos que definíamos em conjunto.
Eram equipas em que os colaboradores tinham muitos momentos flow que nos davam uma sensação de pertença, energia e bem-estar que culminava em bom desempenho.
Felizmente, existem empresas onde a preocupação com os colaboradores é genuína. Também são muitos os líderes que, atualmente, não aceitam estar em culturas tóxicas onde o dinheiro vale mais que o valor do ser humano. Sim! São empresas (ou líderes) que, não descurando o lucro, assumem um papel responsável na sociedade.
O universo baseia-se numa relação de equilíbrio – quando algo não está alinhado, existirão movimentos para garantir que o equilíbrio seja de novo reposto. E o alinhamento já começou… com tanta falta de talento, são os colaboradores (e líderes) que escolhem as empresas onde querem trabalhar e não o contrário. Temos uma força de trabalho cada vez mais atenta e com maior consciência destes temas.
Quem quererá trabalhar para empresas que promovem equipas de alto desempenho, mas não se preocupam se estão ou vão ficar “doentes”? Eu não… e você?
Nélia Câmara